Prólogo de Charlotte - Um sonho e um parque

por Nicolas_Salermo em

“Ela encontra-se numa linda e inesgotável planície. Montada em um cavalo pardo que lhe trás paz e conforto.
Aos poucos a ânsia para correr e galopar pela planície é muito forte... E ela não resiste! Corre!
O galopar lhe trás uma felicidade sem igual e a paisagem a cada galope se torna mais bela e verde. 
Este cavalo é muito especial para ela. Sente vontade em abraçá-lo de olhos fechados enquanto corre assim como nos filmes que já viu na tv. E mais uma vez não resiste...
Após alguns segundos ela sente o pulsar do coração daquele cavalo batendo junto do dela. Então o abraça cada vez mais forte, ao ponto de sentir seus corações se tornar um só.
Ao abrir os olhos, Charlotte entende que não havia cavalo algum. Somente ela a galopar pela planície. Sempre galopando e correndo. Ao ver que possui total controle, ela corre como jamais havia corrido. Esforça-se de tamanha forma que as árvores tornam-se apenas meros borrões verdes e marrons na paisagem.
Olha para o horizonte e vê uma luz tremeluzente e deseja ver o que é. Sente o cheiro de umidade. Água doce. Um lago que brilha pela luz do sol, mas algo lhe diz que deve parar. Deve se precaver. Deve se preparar... Mas sua vontade de correr é mais forte do que qualquer outra coisa... Então as gotas começam a se chocar contra sua face...”

 Charlotte acorda com as gotas de uma pequena garoa que cai naquela manhã de segunda-feira. Nunca havia sonhado como daquela forma. Parecia que havia corrido uma maratona.

Ela se levanta e se prepara para mais um dia de trabalho. Desce do segundo andar do pub em que mora nesse último ano. Ela nunca pensou que largaria a vida em uma mansão cheia de conforto e comodidade para viver num antigo depósito de um pub. Pelo menos seu emprego de fotografa freelancer lhe ajudou a mobiliar “seu cantinho” da forma que queria. Mesmo assim, ela se sentia realizada por poder fazer o que gosta.

Nunca gostou da idéia clichê de seguir os negócios da família. Mesmo seu pai insistindo constantemente para que estudasse algo conivente para manter a grande empresa Imobiliária e Construções Hammond quando ele fosse embora. Bobagem!

Ela era livre demais para tudo aquilo. Cursou escondida sua faculdade de fotografia, enquanto seus pais achavam que era arquitetura, engenharia, administração ou qualquer outra coisa. Ela foi expulsa de casa, mas se orgulha de cada passo dado até hoje.

 

Afinal, havia muita sorte em seus passos. Logo após sair de casa acabou encontrando seu amigo de infância Gery, o filho da antiga caseira da mansão de seus pais. Ele tinha um pub e bem... Propôs que ela fosse morar em seu pub, já que ele morava aos fundos do mesmo.

Tomou café com seu amigo Gery como fazia em todas as manhãs enquanto seus “assistentes” arrumavam a área do bar. Ele gostava de chamá-los assim.

Pegou sua bolsa e partiu para mais um dia de trabalho. Pegou seu fusca comprado com muito custo. Não era um New Beetle, era um fusca mesmo e ela adorava.

No caminho para o trabalho, ouviu pelo rádio que havia uma obra nas ruas em que costumava dirigir, então mudou seu percurso. Que mudança do destino maravilhosa ela pensou ao ver o novo parque da cidade que havia de ser inaugurado dali a alguns dias.

Ainda faltavam alguns detalhes, mas estava praticamente pronto. Um parque que fechou à 50 anos atrás havia sido comprado e reabriria novamente em grande estilo.

Ela tinha que tirar umas fotos! Estacionou ali por perto e entrou no parque que estava com seu portão principal meio aberto para entrada de funcionários.

Ela adorava invadir e tirar fotos escondidas, mas principalmente de lugares misteriosos e sombrios. O que não era o caso daquele parque, mas ele sem luzes e movimento daria para se esforçar em alguns bons ângulos e tirar boas fotos para seu acervo e talvez pegar algum segredo sujo por aí para o tablóide que trabalha.

Ela percorre quase o parque todo, quando se dá conta que se passou 1 hora e está atrasada para o trabalho.

Ela corre entre as barracas do parque quando encontra uma menina por volta dos 5 anos. Loira, linda e com um vestido rosa de flores. E sozinha.

Ela olha para Charlotte: 

- Vem comigo! – Segurando pela mão de Charlotte e puxando.

Charlotte não entende bem, mas a segue. A pequena menina a leva próxima a saída, mas em direção a uma velha senhora sentada numa barraquinha bem humilde em um canto no parque. Charlotte não lembra de tê-la visto quando entrou.

- Vovó! Aqui está ela! – Soltando a mão de Charlotte apenas quando está bem próxima da senhora.

Aquela senhora aparenta ser muito idosa, por volta dos 85, 90 anos. Ela é negra, usa um algum tipo de turbante, alguns colares e anéis e parece que um de seus olhos tem catarata de tão branco que é. Ela está sentada em um banco antigo, com uma pequena mesinha com alguns colares, brincos, bottons, chaveiros e atrás dela tem um cavalete com vários desenhos que parecem tatuagens que ela faz de rena.

 

- Olá minha filha! Muito bonito este parque, não acha? – Diz a velha com uma voz arrastada e cansada.

- Sim, é muito bonito. – Responde Charlotte desconfiada daquilo tudo. Ela pára para olhar a menina e ela brinca com uma flor em suas mãos enquanto rodopia, pula e corre pelo portão principal.

- Gostaria de algo na minha bancada? Talvez uma tatuagem? – Diz a velha agora olhando para Charlotte com um olhar muito doce.

- Não, não senhora. Não quero nada. – Charlotte responde, mas com pressa de ir embora.

 Nesse momento a menina aparece ao seu lado:

- Por favor, moça. Deixa a vovó fazer uma tatuagem em você. Vai ser uma bem pequenininha. Por favor. – A menina quase chora ao pedir para Charlotte.

- Vai ser de graça minha filha. Vi que minha pequena gostou muito de você – A senhora diz com amor pela pequena.

 

Charlotte fica sem graça com aquela situação e aceita a tatuagem.

- Então minha pequena, escolha uma bem bonita para essa linda mulher. – Diz a velha.

No mesmo instante a menina fica paralisada em frente ao cavalete como se fosse um manequim. Estática e sem mover sequer os olhos. Ela levanta somente o braço direito e aponta em direção ao desenho de um beija-flor. No segundo seguinte a menina sorri e começa a correr pelo parque de novo. Charlotte não entende bem o que aconteceu, mas afinal é apenas uma criança.
A senhora pega o pincel e tinta e começa a desenhar próximo ao pulso de Charlotte.

- Pronto minha filha. Está pronta. A pequena escolheu uma tatuagem muito especial para você, e que lhe dará muita sorte. Sinto que você acabará retornando aqui mais uma vez para conversarmos melhor e me agradecer por ela. – A todo o momento ela fala sorrindo e amável, mas as últimas frases assombram Charlotte.

Charlotte agradece e parte para seu carro com pressa. Olha para tatuagem em seu pulso e olha pela janela do carro ao passar pela entrada. Não vê mais a velha e nem a barraca. Apenas a menina acenando sorridente.

Charlotte sente dentro de si algo estranho como no sonho. A vontade de correr em direção ao que lhe incomoda, mas não agora. Ela está atrasada.