Crônica de Changeling - Refazendo um caminho

por Turugo em

A crônica é ambientada no campo livre de Miami ,conforme apresentado no livro de regras. A história segue um grupo de changelings que retornou a pouco de Arcadia e terão de enfrentar tanto a política terrena quanto de Faerie. Neste primeiro momento alguns personagens da trama são apresentados ,bem como o gancho para o segundo capítulo é introduzido,no qual o grupo de forasteiros terá de decidir se ajuda ou não a salvar o rei da corte do verão, sequestrado pelas Fae.

Capítulo 01) Outono de Pesadelos

"Você pode sair de Arcádia, mas Arcádia nunca sairá de você" - Claudia, cortesã da primavera e dona da livraria Abeto.

 

Quantos quilômetros havia andado, dez quinze vinte, Joana não sabia. Não que se importasse, contanto que a distancia entre ela e a cidade-prisão da qual escara aumentasse mais e mais. Contudo algo estava errado. A muito a cidade havia ficado pra traz, mas ainda a acompanhava, não mais na forma das ruas com lampiões e casas imponentes, mas de ruínas. Ruínas que pareciam não ter fim e se misturar ou ser parte da selva cada vez mais.

Touceiras de capim cresciam por todas as direções, espinheiros e árvores maiores também estavam surgindo, à medida que o terreno deixava de ser coberto por lajotas para revelar a terra nua.

- Por aqui, os cães a farejaram. Está mais a frente acelere o passo!

Latidos podiam ser ouvidos cada vez mais perto e Joana sabia o que a esperava caso sua senhora a recapturasse. A sala. Um cômodo da vasta propriedade da Fada, aos fundos da casa principal. Todos os fugitivos eram levados pra lá passando dias dentro do cômodo.  Quando eram liberados da clausura aparentavam estar bem, e quando perguntados a respeito do que havia acontecido lá dentro respondiam apenas terem ficado reclusos por um tempo para pensar no que haviam feito. Contudo seus olhos não mentiam a luz neles havia diminuído.

- Não terei esse destino! Joana disse a si mesma.

Mesmo agora sozinha e em fuga a jovem se agarrava naquilo que vinha sustentando-a todo o tempo: o som das risadas de suas irmãs. Sabia que se seguisse esse som, essa lembrança de alguma forma voltaria pra casa.

- Mas por onde? Como despistar meus perseguidores? 

As ruinas não ofereciam muito abrigo, e as trilhas que as cortavam eram quase imperceptíveis, a todo o momento se modificavam. A própria vegetação parecia se tornar mais espessa, arranhando-a a evitar que fugisse. As ruínas! Ainda que perigosa fosse sua melhor opção agora. Enquanto pensava no que fazer algo chamou sua atenção. Olhos. Olhos brilhantes e amarelos as espreitavam de tempos em tempos das ruínas da cidade. De quem seriam? O que seriam? Vencendo o medo e percebendo a aproximação dos capatazes se refugiou em um prédio de dois andares parcialmente destruído.

O segundo andar da construção intacto e forneceria um abrigo temporário. Olhando ao redor percebia-se o que deveria ter sido uma casa de família tendo sido a parte superior reservada aos dormitórios. O quarto em que Joana estava n grande, mas acomodava os restos de uma cama e a esquerda desta o que um dia fora uma escrivaninha. Do lado oposto se encontrava um armário desgastado de três portas, sendo que as do meio estavam soltas mas não a da ponta esquerda. Abrindo o armário, vazio para seu alívio, se escondeu nele. Ali não a ouviriam ou perceberiam seu cheiro. Pelo menos era o que esperava.

Já era noite quando a jovem teve coragem de se mover e sair de seu esconderijo. O silêncio porem foi quebrado pelo som de passos e móveis sendo arrastados. De dentro do armário Joana viu com assombro vultos do tamanho de crianças de sete anos, eram pelo menos três. Amarelos, seus olhos eram amarelos. As figuras pareciam a vontade inspecionando a casa movendo-se rapidamente. Adentrando o quarto em que Joana estava um dos vultos começou a remexer os restos da cama. Mas não demoraria a ser notada pela criatura pensou, seus aranhões que ainda sangravam e a respiração acelerada a denunciariam. Estava correta. A criatura perdendo o interesse na cama decidiu investigar o armário seu rosto próximo ao chão, envolto em sombras.

Tampando a boca com as mãos para conter a respiração a jovem sacou uma faca que estava escondida em seu vestido. Não seria recapturada ou morta. Não agora que conseguia se lembrar de casa e da família. Suas irmãs a esperavam.

* * *

- Joana! Joana acorde. Você esta bem?

Um homem aflito a sacudia buscando acorda-la. Carlos era um homem alto com um metro e oitenta, moreno e de cabelos negros lisos. Estava com 29 anos. Sua expressão neste momento era de preocupação por sua namorada Joana, pois seus pesadelos recomeçaram juntamente com o outono. Acordando de súbito e com o medo estampada nos olhos Joana se acalmou ao perceber que estava em seu quarto, no seu apartamento com seu namorado e não no desespero da Sebe.

- Outro pesadelo? Perguntou Carlos.

- Sim ela suspirou, eles voltaram. Mas já era esperado, a doutora Valkyria disse que o trauma era muito profundo e que somente agora o tratamento começaria a fazer efeito.

Carlos conhecia o estado de sua companheira. Quando tinha doze anos Joana havia ido caçar com seu pai mas se perdeu na mata sendo encontrada três dias depois por bombeiros, em uma gruta. Sobrevivera bebendo água da chuva.   Ele admirava a presença de espirito e coragem de sua namorada, porém ela não saíra ilesa da experiência. Desenvolveu estresse pós-traumático sempre revivendo em sonhos episódios do que ocorrera. Sempre no outono. Bem aconteceu durante o outono, faz sentido acho ele pensava. Com o tratamento com a psiquiatra o problema diminuiu Joana não acordava mais aos prantos no meio da noite, ou verificava a toda hora se era seguida na rua, mas ainda tinha pesadelos.

O relógio de cabeceira marcavam 05h45min da manhã. A jovem se levantou em direção ao banheiro. Vendo a expressão preocupada do rapaz o tranquilizou dizendo que estava bem, só precisava jogar uma água no rosto. Estresse pós-traumático. Bom nome realmente foi estressante ser raptada e obrigada a servir as fadas verdadeiras. Ela desejava que seus sonhos fossem realmente lembranças de uma caçada mal sucedida, mas não eram. Sabia que eram resquícios de sua estadia em Faerie, seu reflexo no espelho lhe lembrava disso.

Os anos de servidão em Faerie, foram sete, não haviam sido gentis com a garota. Servindo como empregada a sua captora, moldadas pelos acordos e presença de sua "protetora" ela fora modificada. Tendo de alcançar lugares altos seus braços se alongaram mais do que o normal. Seus olhos treinados a reconhecer o menor defeito na mesa posta ou na cama arrumada quase não piscavam, afinal atenção era fundamental. Sua pele morena mesmo no sol demonstrava uma aparência amarelada, resultado da reclusão à casa de sua captora. Contudo exibia uma graça estonteante todas as roupas ficavam boas nela, principalmente os uniformes de trabalho.

No entanto o que mais a incomodava não era sua aparência, mas a sensação de perseguição que ainda continuava com ela. A jovem ainda guardava consigo a faca trazida de Faerie, e que a ajudou a abrir caminho de volta ao lar. Mesmo as sessões de terapia via oneiromância com a psiquiatra Valkyria que sabia e compartilhava de sua condição, o contato com outros changelings e seu namorado não afastavam esta sensação. Este medo. Mesmo buscando dominar essa emoção ela não conseguia, seus olhos demonstravam isso. Seu reflexo demonstrava isso.

Realmente seu reflexo demonstrava muito mais do que a jovem percebia

* * *

O sol rompia corajosamente a manhã revelando uma imensa propriedade nos subúrbios de uma cidade de porte médio. A propriedade se estendia por vários hectares. Ao sul uma estrebaria para cavalos além de acomodações para galinhas, porcos e outros viveres podia ser vista. Um vasto pomar se estendia no oeste, verde, farto e hipnótico seria fácil se perder nele se não se souber aonde olhar. Um imenso jardim de inverno com chafariz se encontrava ao norte do casarão colonial de dois andares que ocupava o centro da propriedade. Todo o local era protegido por imensos muros de concreto. Na parte externa sul as ruínas do que fora um dia uma ampla e prospera cidade podiam ser vistas agora quase totalmente engolidas pela Sebe.

Entretanto o que se destacava não era a propriedade, mas aqueles que se encontravam reunidos na entrada principal da propriedade. Cerca de trinta Fadas podiam ser vistas em todo seu esplendor e diversidade. Trols do pântano e dos lagos, damas da floresta e dríades dos bosques, sátiros, dragonetes, gênios entre outros estavam ali. A excitação e expectativa podia ser sentida em todos que estavam ali. Eles estavam esperando pelo chamado, pelo início.

- Senhora? Estão todos a postos esperando por sua presença. Podemos começar?

- Daqui a pouco. Logo irei me reunir a eles. Vá e avise-os.

- Sim senhora.

A mulher que falava não prestava atenção no servo, mas no espelho a sua frente. Ele não refletia sua imagem, mas a de uma jovem morena de olhar assustado. Mostrava a face de Joana. Um sorriso fino se abriu em seu rosto impassível.

- Minha criança há quanto tempo, já faz dois anos. Espero que tenha aproveitado seu período de descanso, logo terei novamente aquilo que é meu por direito. Afinal você possui algo que me pertence. Você me pertence criança. Se dirigindo a sua serva diz:

- Soem as cornetas de caça! Diga a todos que a caçada da segunda semana do outono oferecida pela casa da Espada Carmesim começou. Que vença aquele que capturar (ou recapturar) o melhor prêmio!