Horror Lovecraftiano

por Br86 em

Na última postagem comentei sobre a possível utilização dos escritos de Lovecraft em mesas do Mundo das Trevas. Não busquei adentrar mais no conteúdo porque os próprios contos falam por si mesmos. A intenção era apenas cativar a curiosidade daqueles que ainda não tiveram a oportunidade de conhecer o horror narrado por Lovecraft. Ao contrário da anterior, essa postagem não tem a intenção de focar as histórias propriamente ditas, mas os elementos utilizados pelo autor para escrevê-las. Vejamos quais seriam eles:

Descrever em vez de dizer

Esse é um método já muito conhecido e ironicamente muito negligenciado. Lovecraft não dizia: “ele tinha uma cara parecida com a de peixe”, mas sim, “(...) Tinha cabeça estreita, olhos azuis aquosos saltados que pareciam nunca piscar, nariz chato, testa e queixo recolhidos e orelhas pouco desenvolvidas. Seus lábios eram grandes e carnudos (...)”. Na primeira, o cara é simplesmente feio ou estranho, na segunda, ele é tão repulsivo que eu não gostaria de encontrá-lo num beco escuro mesmo se fosse numa mesa de RPG.

O que não se vê assusta mais

Lovecraft disse “a emoção mais antiga e mais forte da humanidade é o medo, e o mais antigo e mais forte de todos os medos é o medo do desconhecido." Em seus contos o monstro não simplesmente aparece e faz “BU!”. A princípio, ele é sempre sentido, mas nunca visto. Os jogadores já esperam um monstro horrendo, mas você não irá dar isso a eles, apenas algo que eles não conseguem ver ou encontrar. Os jogadores serão inundados por sons (passos trôpegos, cascos, algo se arrastando, sons desconhecidos, sons parecidos com os de animais), cheiros (podridão, pelo molhado, produtos químicos) e sensações (estão sendo observados, não estão sozinhos, há algo na casa). As poucas visões dos inimigos durante a narrativa se darão através de vultos em lugares mal iluminados, silhuetas por atrás de persianas e movimentação em lugares onde a distância não permite um vislumbre mais detalhado das coisas.

A ignorância é uma benção

Nos contos de Lovecraft, os protagonistas não querem vencer o mal ou salvar o mundo. Inicialmente, eles se envolvem na trama por mera curiosidade, sem saber no que estão se metendo, e acabam pagando o alto preço por saberem demais. Esse conhecimento não torna o inimigo vulnerável, pelo contrário, o torna ainda mais forte e horrendo. Quanto mais os jogadores se envolverem no mistério, mais deverão perceber que a coisa é pior que esperavam. Eles acharam um culto maligno? E se o que os cultistas veneram não for apenas uma estátua de barro? Encontraram um ser humanóide bizarro? E se na medida em que desvendam o mistério descobrem que há uma comunidade inteira deles?

No conto “O Chamado de Cthulhu”, a criatura propriamente dita nem chega a ser vista pelo protagonista, mas nem por isso ele fica menos perturbado. Não preciso ver um monstro “meio-cefalópode, meio-humanóide, meio-dracônico” gigantesco para sentir medo, só em achar indícios de que a coisa realmente existe, já é o suficiente. Você acredita em curupira? Mas depois de ouvir algumas histórias sobre a criatura teria coragem para entrar na mata sozinho?

O inimigo invencível

Se pudesse matar um lorde vampiro com um só tiro, você o temeria? Claro que não. Aquilo que não pode ser vencido, morto ou mesmo ferido, assusta mais que qualquer outra coisa. O medo vem justamente do que escapa ao nosso controle, aquilo que está fora da zona de conforto. Quando os jogadores acham uma pedra que invoca forças demoníacas, qual seria a reação deles quando descobrissem que tais criaturas estão além de seu poder de fogo? Matar um cultista é fácil? E quando ele possui poderes além da compreensão para o proteger.

Nos contos de Lovecraft, normalmente o protagonista, após descobrir verdades profanas que destruiriam a sanidade de qualquer pessoa, tem apenas um objetivo: fugir o mais rápido possível. Não há tempo para heroísmo, apenas sobrevivência. Depois, quem sabe, voltar com um grupo bem armado.

Seqüelas

Normalmente os protagonistas lidam com verdades que corroem sua sanidade mental. Não é a “simples” questão de ver algo bizarro, mas que aquilo, aquela coisa inominável, não deveria existir. O jogador não vai se importar com isso claro, é apenas ficção, mas seu personagem sem dúvida correrá o risco de ficar com algum tipo de perturbação. O sistema de moralidade do MdT é muito bom para simular, com alguns ajustes talvez, a degradação mental de uma pessoa exposta a horrores indizíveis (eu diria que a penalidade em pontos causa muito terror em alguns jogadores...).

As coisas vistas pelos personagens não são “mais do mesmo”. São inimagináveis. Você não descobre um culto maligno simplesmente (o que para mim já é mais do que o suficiente para não dormir), você encontra um culto que venera uma entidade REAL, que apenas espera o momento certo para cobrir o mundo de trevas e agonia. Você não encontra um pintor exêntrico que faz quadros bizarros, você encontra um pintor que faz quadros de seres demoníacos que habitam as profundezas dos tunéis de metrô. Isso com certeza faria uma pessoa ter medo do escuro...