Saul Kobayashi Viana
Eu e meu irmão crescemos no circo.
“Os gêmeos acrobatas”, era como nos chamavam. Todos apreciavam nosso show, tínhamos um sicronismo perfeito eu e Davi. Alguns dizem que um podia saber o que o outro pensava; e nós adquirimos a habilidade de terminar a fala que o outro começava. Nós faziamos um numero na corda bamba, a adrenalina de cada movimento fica registrada na memória sabe? Crescemos assim, nesse mundo mágico do circo, cheio de mistérios, glamour e discórdia.
Mamãe era contorcionista, uma oriental linda, com cabelos compridos, lisos e pretos. Ela estava sempre a cantarolar músicas tristes, mas tão bonitas… Seu nome era Clara, mas no circo virou Clarinha. Mamãe só era Clara em casa; era assim que papai a chamava e ela sempre lhe atendia com um sorriso.
Papai era um homem forte e austero, um tanto reservado, mas de bom coração. Não gostava de jogar conversa fora com os outros circenses,, mas tratava a todos com muito respeito. Domador de feras com excelência, papai se entendia com os animais, não sei dizer bem… Era assim com seu Rubens, me parece que eles se comunicavam de verdade, ele dava uma ordem a um de seus animais e este obedecia… Isso sempre me encantou, mas as crianças se encantam com tudo.
Então nós crescemos, o tempo nos mostrou que a magia do circo não era tão apreciada como antigamente. E eu não queria mais fazer parte daquele mundo; ele se tornara pequeno demais para mim. Discuti com meus pais quando tinha dezessete anos, eu queria ter um emprego normal, uma casa normal, com uma vida normal.
E tive.
Comecei a trabalhar como office-boy num escritório pequeno, e as coisas mudaram na minha vida. Terminei os estudos e fiz alguns cursos, arrumei minha casa, fiz inimigos, conheci gente nova, amores a amigos e estava feliz com minhas escolhas.
Um dia a família veio me visitar. Estavam indo para o interior, mas antes de partir trouxeram a mim uma carta, eles receberam um convite para uma festa de um antigo conhecido. Mamãe pediu para que eu representasse minha família na bodas de ouro do senhor Fellini. Eu lembrava vagamente de “seu Augusto”, como era chamado pelos anões do circo, era um senhor endinheirado que, quando ia ao circo, gostava de mostrar os bastidores ao filho pequeno. Eu arriscaria dizer que tinhamos a mesma idade, nós e o garoto. Não sei bem qual era a relação do dono do circo com aquele senhor, tampouco as de minha família para com ele, mas mamãe estava ali em casa, pedindo para que eu fosse a uma festa de luxo, e é claro que aceitei…