Crônica - Presas Urbanas - Parte 01 - Prólogo
Parque Halfeld, 02 de fevereiro de 1995.
Em mais um dia de sua infindável e ociosa rotina de trabalho no Parque Halfeld, o policial John Krauser executa a função que lhe fora designada de patrulhamento preventivo pelo Parque. Indignado por se achar bom o suficiente para executar outra função dentro da corporação, o policial que sempre fora um exímio profissional com vários prêmios e elogios, começa a mudar sua postura, diminuindo o ritmo de trabalho.
Mais uma tarde de trabalho como tantas outras na vida de Krauser, exceto por um detalhe. Uma mulher. Na parte do Parque reservada para os vendedores de bijouterias artesanais, ocupada todos os dias por dezenas de hippies, uma entre todos chamou sua atenção.
Era uma mulher como várias outras que ali estavam. Sentada sobre uma canga de praia colorida, trajando um longo vestido também cheio de cores, a mulher confeccionava um cordão feito de sementes parecido com os vários que usava em volta do pescoço. Ela não era bonita nem feia. Não era a primeira nem a última da fila. Suas vestias contrastavam perfeitamente com as dos outros que estavam sentados ali, trabalhando e vendendo seus artesanatos.
Krauser ficou realmente intrigado e confuso por não entender o porquê daquela mulher loira de cabelos curtos e penteado moicano prender sua atenção daquela forma. Ficou observando-a por alguns instantes, preso naquilo que mais parecia um transe.
Durante esses breves instantes, Krauser parecia estar hipnotizado. Todas as suas atenções foram voltadas para aquela mulher e o distraíram do ambiente ao seu redor, impossibilitando-o de notar as centenas de pessoas que ali transitavam, ou de perceber o barulho ensurdecedor de todos os carros e pessoas.
Essa “hipnose” só foi interrompida por um grito alto e agudo. “- Pega ladrão!”. No meio de centenas de transeuntes, Krauser uma velha senhora tendo sua bolsa subtraída por um jovem garoto que saiu correndo com o produto do furto.
Demorou um pouco até Krauser conseguir atravessar o Parque desviando das pessoas e sair no encalço do jovem infrator, porém, após alguns quarteirões de perseguição, o jovem ladrão se rendeu ao excepcional preparo físico do policial.
Krauser pegou suas algemas e fechou-a no pulso esquerdo do garoto que se mostrou cooperativo. Antes de pegar o braço direito do garoto para completar a algemação, eis que a mulher surge novamente, dobrando a esquina logo a frente do policial. Desta vez, ela também o encara e revela olhos azul-escuros cheios de fúria, levando-o a distrair-se a pontos do jovem bandido tentar fugir novamente, obrigando-o a usar de força para imobilizar o garoto.
Nenhuma palavra foi dita. Ela simplesmente passou olhando-o. Passou direto e dobrou a outra esquina, sumindo da vista de Krauser.
O expediente termina e Krauser, após voltar da delegacia segue em direção a sua residência sem conseguir tirar aquela estranha mulher dos seus pensamentos. Dentro de casa ele tira sua farda e vai direto ao banheiro onde fica cerca de quarenta minutos, pensando num motivo plausível para o ocorrido e tentando entender a raiva que vira em seus profundos olhos azuis. A raiva que ela passara para ele no segundo encontro de certa forma pareceu um pouco agradável e estranhamente familiar.
Após o longo banho, Krauser colocou uma roupa mais folgada e se deitou para dormir, já sabendo que seria uma tarefa demasiadamente difícil. Duas horas se passaram e ele não pregara o olho. Pensando em seu estranho dia. Decidiu então não mais dormir, trocou novamente as roupas por uma calça e blusa de moletom, calçou um tênis macio e foi correr um pouco.
Correndo ele pensou em sua vida, em suas contas, em suas mulheres. Enfim, pensava em tudo e quando percebia estava novamente pensando naquela mulher. Esses pensamentos começaram a irritá-lo de verdade, fazendo-o correr ainda mais. A raiva aumentava sua adrenalina e dava a ele ainda mais disposição, fazendo-o continuar correndo.
Ele correu pela estrada que saia da cidade até ser tomado por uma enorme exaustão, até que parou de correr e sem forças começou a se sentir fraco, sendo privado de seus sentidos até que finalmente caiu desacordado à beira da estrada.
Na manhã do outro dia, Krauser se levantou sentindo-se fisicamente muito bem. Nunca se sentira tão bem fisicamente, entretanto, aquela mulher ainda estava em seus pensamentos. Ainda perturbado, ele teve outra surpresa, um susto. Quando se deu conta de que estava próximo à divisa com a cidade vizinha e que até chegar lá percorreu exatos vinte e sete quilômetros, ele ficou realmente espantado. Isso não fazia sentido algum para ele, mas de alguma forma ele tinha certeza absoluta de que precisava encontrar aquela mulher.
Krauser pensou em correr de volta, porém foi desencorajado pela fome. Em vês disso, ele caminhou uns quarenta minutos até chegar à outra cidade, encontrou um telefone público e pediu uma viatura para lhe pegar.
A viatura chegou e o levou até sua casa, onde o mesmo fez a barba, tomou um banho, pegou sua arma e saiu de casa. Entrando no carro ele ligou para o quartel dizendo que não iria trabalhar, pois estava passando mal.
Seu destino era o Parque Halfeld, seu local de trabalho. Ao chegar lá, ele começou a observar os hippies, procurando por aquela mulher que não chegou ali. Sem saber nem o seu nome, ele foi até os hippies que estavam próximos a ela no dia anterior e perguntou sobre ela, falando suas características, sendo informado por um deles que aquela mulher tinha vindo de outro lugar, que não era dali. Um outro chegou falando enfurecido que ela teria sido expulsa dali pois não era seu “ponto” e que ao ser expulsa teria entrado em atrito com ele e partido para a agressão. O indivíduo de porte físico forte mostrava uma marca roxa sobre seu supercílio acompanhada de um curativo que segundo ele protegia um corte causado pela investida da mulher.
Perguntado sobre o destino dela, o policial foi aconselhado pelos hippies para procurá-la no Albergue municipal, onde vários moradores de rua se “hospedavam”.
Foi o que ele fez. De imediato dirigiu-se para o Albergue. Logo na entrada, enquanto ele sentia o cheiro “sujo” característico das ruas, se apresentava como policial ao responsável pelo local e pedira informação, mais uma vez informando as características da mulher. Com cara desinteressada, o funcionário responsável pelo local disse que todos os dias vários andarilhos passam pelo local durante o dia todo. O funcionário autorizou Krauser a entrar no local e procurar pela mulher. Dentro do Albergue, o mau cheiro do local provocava repulsa. Passando por entre os quartos, vários mendigos, um mais sujo que o outro se amontoam em beliches que se espalham por todo o local. A ala feminina é igualmente imunda e mau-cheirosa. Ela não estava lá, em lugar algum. O policial resolveu sair de lá para tomar seu café da manhã. O que até agora ele não havia se lembrado de fazer.
Na padaria, enquanto faz seu desjejum ele olha no fim na rua e vê a mulher o admirando, olhando fixamente para ele. De imediato ele deixa o dinheiro para pagar a conta e sai em direção à mulher. Ao avistá-la ainda de longe, Krauser grita para que ela pare, dizendo ser um policial. A mulher espera por alguns segundos até Krauser abaixar a guarda e saiu correndo, dobrando a esquina. Krauser correu atrás, estava determinado a alcançá-la. Quando virou correndo a esquina, ele avistou a mulher bem no final da avenida que se seguia. A uma distância incompatível com o tempo percorrido por ela.
Ela entrou em um ônibus que tinha como destino a periferia da cidade. Um dos bairros mais violentos. Krauser voltou à rua do Albergue, onde tinha estacionado seu carro, ligou o mesmo e saiu "cantando pneus" pela rua afora. Ficando preso no trânsito, ele só encontrou o ônibus perto do ponto final do bairro e pôde ver que a mulher ainda estava lá, sentada no último banco e olhando para ele.
O ônibus fez sua última parada, Krauser foi atrás dela e mais uma vez para sua surpresa ela não estava mais lá. Desorientado ele escuta um barulho e ao olhar vê que a mulher saiu correndo em um beco e tropeçou em umas latas de livro, caindo no chão. A perseguição continuou e dessa vez, Krauser tinha sua arma em punhos, afinal estava em um dos lugares mais perigosos da cidade.
Ela entrou em uma pequena e velha casa, com construção inacabada. Sem pensar em tudo que aprendera durante seu treinamento na academia de polícia, o policial abre a porta batendo com a sola dos pés nela e vê a mulher do outro lado da pequena sala, acuada na parede.
Antes de agir de qualquer forma, Krauser foi interrompido com um sorriso extremamente malicioso da mulher. Apontando a pistola em sua direção, ele pergunta ainda ofegante o motivo dela ter fugido dele. A pergunta é interrompida quando ele escuta o “click” de uma pistola de destravando, vindo de sua retaguarda, acompanhado de uma ordem masculina que o mandava largar a arma.