Esquecidos por Deus (Capítulo 1) – Água Negra
Amadio e Ludvik gritam para todos pegarem seus coletes, enquanto sua pequena embarcação vai à pique. Ambos se lançam ao mar, munidos de coletes salva vidas e nadam o mais rápido que podem. Chegam a tempo de retirar um homem inconsciente da água e antes que o arrastem até a margem, são socorridos por um rebocador. Em poucos momentos, o local do acidente está cheio de embarcações e até um helicóptero da polícia para auxiliar no socorro. Temendo ser reconhecido, Ludvik nada para longe do acidente, chegando à Enseada do Suá, enquanto os sobreviventes da colisão são levados para o Hospital Praia da Costa (do outro lado da baía, que neste trecho tem apenas 800m).
João Paulo Amadio nota a ausência do amigo quando chegam ao hospital e o coloca na lista de desaparecidos. Ele está bem, se recuperam por uns instantes, esperando o parecer do médico e depois vai para casa de taxi, levando a irmã Rita. Depois de se alimentar e tomar um banho, pega seu carro e volta para o hospital visando auxiliar os acidentados.
Enquanto isso Ludvik faz o que sempre fez, estando sozinho nas ruas de Vitória. Retira a água salgada do corpo num chuveiro na praia e espera que o sol e o forte calor o sequem. Depois inicia sua longa caminhada até o Centro da cidade, para a casa do amigo João Paulo. Mas quando chega João Paulo já havia passado por lá e o porteiro o avisa de que ele saiu. Ludvik não se afeta e vai pedir uns trocados aos passantes, para tentar forrar o estômago. Quando a noite vai ao alto, decide pegar sua motocicleta e ir até o hospital, precisa pegar suas coisas no apartamento do amigo.
Quando João Paulo chega no hospital, um dos pacientes está bastante perturbado. É Raul que desperta de um pesadelo e que saber onde estão seus comprimidos. João Paulo vai até lá e dispensa a enfermeira Maria, que vai buscar o remédio. Quando Maria volta, João Paulo está segurando as mãos de Raul e escutando sua história. Os dois continuam conversando pelo restante do dia, até adormecerem, Raul em sua maca e João Paulo em um desconfortável sofá para acompanhantes.
Na calada da noite, o Padre João Paulo desperta sem sono e fica olhando para aquele teto de hospital, estranhando não estar na cama há essa hora. Nesse momento, ele ouve o som de botas pisando em areia, ampliado pelo silencia na enfermaria em que está. De sobressalto, nota que há um homem alto de pé, ao lado da porta. O homem caminha na direção dos dois, seu rosto encoberto pelas sombras. O estranhamento daquela cena faz o coração do padre acelerar. Sem aviso, o estranho ergue o braço e em sua mão, brilha o fio da lâmina, uma faca!
O padre pula no sujeito à tempo de impedir a faca de atingir Raul que ainda dormia. A faca rasga o ombro do João Paulo que grita por socorro, Raul acorda e no susto se joga no chão. Os dois lutam enquanto o homem tenta esfaquear Raul. Nesse momento, enquanto disputa força com um homem muito maior do que ele, o padre João Paulo Amadio olha bem para o rosto do estranho e o que ele vê, interpreta mais tarde como imagens de um pesadelo. Isto porque pelos olhos, ouvidos, narinas e boca do homem, escorre um líquido viscoso e preto, como se ele estivesse chorando, vomitando ou em algum tipo sinistro de transe.
Quando Ludvik chega no hospital houve os gritos do amigo e corre. Mal tem tempo de perceber que a moça no balcão do hospital esta inconsciente, caída sobre uma poça de sangue. Corre até a enfermaria e vê o atacante e seu amigo engalfinhados, retira seu canivete e crava nas costas do estranho que se dobra para trás uivando de dor. O padre recua, o estranho caiu no chão e Ludvik monta em cima dele desferindo socos furiosos. Ludvik só se contem quando o padre o empurra, em sua fúria, não havia escutados os gritos do amigo. O assassino está morto.
Ludvik se levanta, havia pessoas no corredor, médicos e enfermeiros que ouviram o barulho da briga. Ele avisa sobre a moça no balcão e quando a atenção de todos se volta para a vítima, ele na moto e arranca a tempo de ouvir a sirene da polícia.
João Paulo desfalece devido ao sangramento e Raul fica bastante abalado, à beira de um ataque de nervos. O policial interroga Raul, que não consegue dar muitos detalhes do ocorrido.
Quando o padre Amadio desperta, sua primeira preocupação é saber se Raul está bem. Desce até a enfermaria, onde os dois conversam, Raul reconhece que aquele estranho entrou no último momento de salvá-lo e se oferece para ajudá-lo caso tenha problemas com a polícia, para o padre, seu amigo Ludvik não cometeu um assassinato premeditado e de fato, salvou vidas.
Os dois usam um taxi para ir até o carro de Raul, onde se separam, cada um vai para sua casa. Raul está muito perturbado e só quer descansar. João Paulo Amadio se encontra com o amigo Ludvik em seu apartamento e tem uma conversa com ele sobre erro e arrependimento.
Raul Boa Morte passa o dia perturbado, se encontra com sua cliente Cecília e pede a ela informações sobre o corretor, que até então não foi visto depois do naufrágio. Ela não tem muito a revelar senão um número de telefone (que não funciona) e um endereço, um hotel barato no Centro de Vitória. Mas por hora Raul só quer descansar.
Já havia anoitecido há algum tempo quando Raul ouviu batidas na porta. Olhando pelo olho-mágico, vê que era um senhor de cabelos grisalhos. Sem pensar duas vezes abre a porta. Mas quando o velho levantou o rosto, escancarou a boca, Raul só pode ver seus dentes enegrecidos pela água negra que escorria. Num sobressalto, com o coração quase saindo pela boca, Raul vira pelos calcanhares corre até a gaveta no quarto onde guarda o revólver, sendo perseguido pelo velho. Vira-se, profere ameaças, mas o atacante não para nem mesmo quando um tiro de .38 lhe atinge no peito. Como ele ainda tentava se levantar, Raul disparou contra sua perna. Ouviu o estampido metálico, seguido pelo barulho oco de um osso quebrando. O velho ainda respirava quando Raul o trancou no quarto e ligou para um amigo que é policial civil.
João Paulo Amadio almoçava com Ludvik quando a campainha tocou, era um oficial de justiça chamando-o para depor no dia seguinte. O padre o convidou para entrar, oferecendo café. O homem estava surpreso, estava acostumado a ser hostilizado em seu serviço. O padre comentou demonstrando uma preocupação solene com a família do atacante que havia sido assassinado no hospital, incitando o oficial a comentar sobre o caso. A boca miúda, o oficial comenta baixinho, parece que não vai ser possível ir consolá-los padre, pois a família do morto está na Noruega, ele era um dos marinheiros da draga que atingiu aquelas embarcações. Talvez não tivesse sido por acaso, alguns investigadores trabalham na linha de tentativa de assassinato.
Assim que a conversa termina e o oficial de justiça deixa o apartamento, João Paulo se lembra de Raul, que é advogado e liga para ele. Quando chega na casa de Raul, ele está no saguão do prédio pegando a chave da casa que Cecília havia deixado na caixa de correio. Os dois conversam, decidem se ajudar. Começando por visitar o endereço em que o corretor estava hospedado.