Trocando a Sabedoria pela Húbris

por abssyntho em

Alterar a realidade exige confiança, mas o orgulho leva o indivíduo à arrogância, e esta à húbris.

Húbris, o orgulho excessivo, é um dos piores inimigos que o mago pode enfrentar logo após o Despertar. Uma vez desfeita a Mentira, seus olhos abrem-se para infinitas possibilidades. O mundo não lhe parece mais estático, ao contrário, este se abre numa miríade faiscante da qual o jovem feiticeiro não pode – ou não quer – escapar.

Alterar a realidade exige confiança, pois é preciso impor sua vontade sobre a Trama, modificando suas configurações, produzindo novos componentes. Da mesma maneira que um hábil costureiro desfaz um bordado para em seguida criar outro com a mesma linha, o mago precisa de habilidade para tecer o mundo de modo satisfatório. Isso é feito com as Arcanas, as chaves da realidade, quanto mais poderoso for seu domínio nas artes arcanas, maior será seu poder.

imageMas a historia já mostrou, poder demais em mãos tolas gera indivíduos arrogantes. Um mago cuja confiança seja abalada, pode não sentir segurança para realizar magias. A arrogância, por outro lado, conduz ao estado de húbris. “Se minha vontade pode alterar a realidade, então significa que minhas intenções estão sempre certas”, pensa o envaidecido. Tal raciocínio leva o desperto a cometer atos que atentam contra a Humanidade e a Sabedoria, afinal porque perder tempo esperando a visita de dois agentes dos Profetas do Trono, se ele pode facilmente provocar um acidente na estrada para matá-los? Evidente que outras vítimas (mortais) serão feitas, mas não se podem fazer omeletes sem quebrar alguns ovos.

Em Mago o Despertar, a húbris esta associada à mecânica da Degeneração: quanto piores os atos de orgulho, mais próximo do precipício o mago se encontra. Mas ela é também uma ferramenta narrativa importante. O tema de Mago é o “Poder Corrompe”, não há como negar que quanto mais próximos da iluminação verdadeira, maiores são os obstáculos enfrentados. Usar sua mágica para ultrapassá-los é tentador, mas assim como no dia-a-dia um Sábio não usaria Forças para aquecer a água do banho, ele deveria deixar que sua Sabedoria o conduzisse pela estrada correta.

Aqui esta uma ótima forma de lidar com aqueles jogadores que vêem seus personagens apenas como uma coleção de poderes. Magos são poderosos, não há dúvida, talvez o modelo de maior poder sobrenatural bruto do Novo Mundo das Trevas, mas ele tem um preço que muitos não estão dispostos a pagar. Um mago que corre para alcançar o título de Mestre numa Arcana troca o conhecimento pelo poder. Esta troca muitas vezes vem acompanhada da perca efetiva de índices de Sabedoria e por conseqüência a aquisição de perturbações. Existe um equilíbrio tênue entre a evolução espiritual do desperto e o aprendizado das Arcanas; quando esse equilíbrio é respeitado, ocorre uma epifania e ele avança mais um degrau rumo à iluminação.  Se o equilíbrio for desfeito, ele cairá em progressão e pode nunca vai se levantar.

Magos em busca de poder fácil não são incomuns. Tome por exemplo os Tremere Lich, tão obcecados que aceitaram prolongar uma existência anti-natural para dedicar-se quase que exclusivamente ao estudo da magia. Mas a que preço? Sacrificar almas humanas – e sua própria sanidade – vale o esforço? O caso dos Scelesti é ainda pior, já que sua mente sequer lhes pertence. Fantoches humanos dos deuses do Abismo,estes magos da mão esquerda usam de dor e sofrimento para potencializar seus feitiços. Sacrifícios humanos são comuns, assim como a venda de almas – a sua e de outros – em troca de poderes transitórios, que apenas contribuem para estreitar ainda mais o domínio de seus senhores.                   

O Narrador não precisa evocar o clima de húbris durante todo o tempo, a menos que esse seja o foco da crônica. Neste caso, uma conversa com os jogadores antes do início da partida se faz necessário. É importante que todos na mesa tenham consciência de que seus atos irão refletir diretamente neles e não apenas no mundo de jogo. As orientações da Tabela de Sabedoria devem ser seguidas a risca e eventuais remorsos deveriam ser interpretados. Se a húbris é o centro da historia, a crônica torna-se muito mais pessoal, tratando de assuntos próximos aos personagens. Embora os Profetas possam causar alguns problemas, nem eles, nem os legados esquerdistas ou espíritos do Crepúsculo serão os antagonistas. Aqui, o pior inimigo do mago é ele próprio – e eventualmente outros magos vaidosos, quem sabe até mesmo um amigo – pois se ele cair, o Abismo estará esperando por ele.