Capítulo 09 – Peças Removidas

por Hentges em

Nono capítulo da crônica Os Espaços Vazios, publicada no blog The Truth's For Sale.

Segunda-feira, 25 de janeiro

Cena 01 – Partidas

John Kroll guia por cerca de cinqüenta minutos. O caminho até a propriedade de Clinton Weiss é tortuoso, com o cenário urbano dando lugar à paisagem rural. Kroll trata de memorizar o trajeto enquanto questiona a cremação em local de tão difícil acesso.

Na fazenda, uma área enorme cercada por pântanos, é recebido por Anne Fitzgerald. Leva a pequena Alice pela mão. Mais adiante, Kroll seria apresentado a Clinton Weiss, um homem tão alto, magro e soturno quanto as fantasias que sua profissão sucita.

Cerca de uma dúzia de carros estão estacionados nas imediações. Os convidados, na maior parte parentes de Edward e Anne Fitzgerald, já se dirigem ao local da cerimônia.

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Lucas Cutler bate à porta de Jebediah Stone. Sem resposta, decide entrar. A casa o recebe com o tradicional odor embolorado. Algumas luzes estão ligadas, mas o silêncio é completo. Chamando por Stone, Cutler avança até a sala onde encontraram-se em outras oportunidades.

Um ruído desperta sua atenção. Parecem folhas sendo rasgadas e em seguida amassadas. O ritmo constante denuncia a meticulosidade da tarefa.

Caminhando com passos lentos até a fonte, Cutler chega a uma parte da casa onde nunca esteve. No ambiente – que como todo o restante da residência se assemelha a uma biblioteca mal organizada -, agachado sobre um livro, está um homem nu. Parcialmente envolto pela escuridão, ele vagarosamente rasga em tiras as páginas que em seguida leva à boca. Ainda mastiga quando vira na direção de Cutler a sua face sem olhos.

A porta fecha-se com um estrondo. O som de livros sendo devorados cessa.

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A cerimônia conduzida pelo ministro da fé é breve, mas encerra-se com um clamor. Assim que o caixão é depositado no local onde será cremado, Anne percebe a ausência de Alice. A garota deixara o recinto minutos antes para ir ao lavabo.

O nervosismo da mãe naquela situação é compreensível. Mas a que atribuir o desconforto de Weiss, que deixa o local para buscar a menina em um ímpeto inesperado? Anne está sendo amparada por amigos quando Kroll, em companhia de outro convidado, sai em busca de Alice.

De lanternas em punho, Kroll e Scott vasculham os arredores de um dos celeiros. São assaltados pelo odor de cânfora e naftalina misturadas à podridão. Mais adiante, de dentro de um buraco grande demais para ser uma cova, ouvem a voz da garota.

Alice – Não precisa ter medo, bichinho. Eu só quero brincar com você.

Agachada, Alice olha para o fundo do buraco. Kroll aponta a lanterna, mas não há nada ali.

Alice – Você assustou ele!

Com detritos no vestido e nas mãos, Alice é resgatada. Poderia ter sido pior. Existe uma dúzia de escavações semelhantes ao fundo do celeiro. A maior parte delas com terra acumulada ao redor. A Kroll, parecem trincheiras rudimentares. Questionado a respeito, Clinton Weiss se sai com uma desculpa qualquer.

Saída Alice da toca do coelho, estão todos prontos para partir.

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Jebediah Stone repousa em sua cama. Assim que Cutler entra, ele sorri e aponta para um manuscrito sobre a cômoda. Junto dele estão diversos frascos de remédio. Sua voz é entrecortada pela respiração ruidosa.

Cutler - O senhor quer ir a um hospital?
Stone – Sem hospitais. Cheguei ao fim do tratamento.
Cutler - O que posso fazer pelo senhor?
Stone – Apenas aceite o que quero dar a você. Achei que teria mais tempo. Que conseguiria explicar tudo.

O manuscrito trata da transferência da propriedade para Cutler. O beneficiário, porém, desconfia de que está recebendo uma espécie de fardo.

Cutler - Eu vi algo no primeiro andar.
Stone – Viu? Quer dizer que a casa também o viu.
Cutler - É o que é aquilo lá embaixo? Uma espécie de manifestação?
Stone – É o hóspede que encontrei aqui.

Stone estende a mão até tocar a de Cutler.

Stone – Por favor, receba o que estou lhe dando. Apenas uma pessoa com o mesmo respeito que eu tenho pelos livros pode guardar o que está aqui.
Cutler - Eu aceito, mas…
Stone – As marcas nas paredes, eu vi quando você as observava. Aquilo é o bastante. Apenas não tire livros daqui. Papéis, documentos, qualquer coisa… A informação deve permanecer aqui. E, de vez em quando, traga-lhe algo novo.

Cutler pergunta da carta que Stone lhe entregou, e como ela se encaixaria nessas regras. O homem, porém, parece obstinado em usar suas últimas forças para transmitir algo fundamental.

Stone – A casa vai ajudá-lo, desde que você mantenha tudo em ordem. Apenas não saia antes de assinar o papel.

Após a assinatura no manuscrito, a expressão de Stone torna-se serena e ele fecha os olhos.

Terça-feira, 26 de janeiro

Cena 02 – Madrugada

O restante da noite de Cutler é gasto com o trânsito para o hospital e a burocracia que decorre do falecimento de Jebediah Stone, vítima de complicações causadas por um câncer. Uma rápida busca pela residência não revela nenhum nome de possível parente em agendas ou correspondências. Sem ter a quem recorrer, ou a quem prestar satisfações, Cutler discute com Kroll a possibilidade de realizar uma cremação na propriedade de Clinton Weiss.

Àquela altura, Kroll já descobrira que o negócio de Clinton fora herdado do pai, e que conta com uma reputação bastante sólida. Apesar do evento daquela noite, e do estranho objeto feito com madeira e vinhas que Kroll fotografou junto de um vaso de flores – para ele, algo visto em A Bruxa de Blair, e para Cutler uma espécie de apanhador de sonhos -, decidem aproveitar a oportunidade que lhes caiu no colo.

Cena 03 – Visitas

Cutler apresenta a casa a Kroll e explica com detalhes os eventos da noite anterior. Percebe, durante o período que passam ali, que o lugar precisa de algumas reformas. E que todos os livros das prateleiras estão disposto de cabeça para baixo.

Trocando mensagens com o ainda misterioso leitor de seu blog, Kroll marca um encontro para aquela noite.

Cutler - Se for algum ricaço que freqüentava aquelas festas nós vamos sentar na graxa.
Kroll – Nós não precisamos ir. Basta observarmos o local. Vamos arranjar um vagabundo qualquer para ficar parado e servir de isca.
Cutler - Uma tocaia, então.

Cena 04 – Tocaia

O local do encontro é uma praça junto do Rio Schuykill. Dali pode se ver parte do Complexo Naval da Filadélfia. Cutler acompanha a movimentação de seu carro, estacionado discretamente em uma posição que lhe permite utilizar a pequena filmadora que trouxe consigo. Kroll observa da sacada envidraçada de um bar próximo. Está tão bem misturado aos freqüentadores que até arranjou companhia para fortalecer seu disfarce.

Pouco antes das vinte e três horas um homem circula pelas imediações. Em seguida, em uma motocicleta, o entregador contratado chega. É impossível saber o que conversam, mas a câmera de Cutler registra o sorriso do desconhecido quando abre o envelope com a breve e singela mensagem:

- Eu posso te ver daqui.

Levando consigo a “encomenda”, ele deixa a praça e dirige-se até uma rua movimentada. Olha para os lados, mas não parece esforçar-se para conferir se é observado ou seguido. Cutler e Kroll dão caça ao estranho, primeiro a pé, depois em um táxi. Abortam a perseguição após sua entrada em um armazém que conta com um apartamento ou estúdio no andar superior.

Assim que chega em casa, Kroll recebe uma mensagem via blog.

- Boa piada. Você foi esperto. Pessoas assim sobrevivem mais.

Sua resposta é concisa.

- E agora também sei o seu endereço!