Capítulo 08 – Preparando o Tabuleiro
Segunda-feira, 25 de janeiro
Kroll desperta com o sol entrando pela janela. O apartamento de Kallinger é pequeno, ainda que confortável, tendo cabido ao visitante o sofá da sala. Enquanto estala a coluna, Kroll se pergunta quando o professor começará a investir melhor os recursos da Universidade da Pensilvânia.
Kallinger já está pronto para sair. Deixou que o amigo descansasse, ou fez o possível para que o contato fosse o mais breve possível. Sem tempo para considerações a respeito, Kroll junta suas coisas e parte para casa. Tem que estar na Divisão de Homicídios da Polícia da Filadélfia naquela manhã.
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Depois de quase uma semana, Cutler se prepara para abrir o antiquário e cumprir o horário que impôs a si próprio anos atrás, quando se estabeleceu e decidiu que a loja, repleta de curiosidades históricas, seria seu meio de sustento. As contas, claro, impulsionam esse sentimento de redescoberta.
A negligência recente nos negócios se faz ouvir também pelos clientes que aparecem naquela manhã, um ou dois deles assíduos, que brincam com a permanente placa de “Fechado” na entrada.
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O detetive Blaine Bullock, com quem Kroll tratou logo após a morte de Edward Fitzgerald, dirige questões sem expectativa, como que entediado pela formalidade daquele encontro.
Bullock – Já chegamos à conclusão de suicídio, senhor Kroll. Tenho apenas algumas perguntas para o senhor. O senhor estava acompanhado naquela noite?
Kroll – Apenas depois de ligar para a polícia. Lucas Cutler e Charles Kallinger eram os amigos que estavam comigo quando voltei ao motel.
Bullock – Quando o senhor Fitzgerald ligou, o que ele disse?
Kroll – Ele estava preocupado com algo.
Bullock – Conversou pessoalmente com ele?
Kroll – Por alguns segundos. Até ele pegar a arma. Ele falou algo sobre um vídeo e pessoas que estavam atrás dele. Tentei dissuadi-lo…
Bullock – A arma era dele.
Kroll – Inclusive, eu estava ajudando a senhora Fitzgerald a localizar Edward.
Bullock – Ela mencionou o seu auxílio. Acho que isso é o bastante. Se houver alguma dúvida, entrarei em contato. Tenha um bom dia.
Após despedir-se de Bullock, Kroll se depara com Anne Fitzgerald. Falou com ela ao telefone nos últimos dias, mas antes a vira algumas vezes em festas da empresa. Como seria de esperar, está muito abatida. É acompanhada por uma mulher mais jovem. Irmã? Na breve conversa a viúva agradece o esforço de Kroll e convida-o para o funeral de Edward, que ocorrerá no início daquela noite.
No elevador, já de saída, Kroll tem uma última conversa.
Oak – Eu sei o que você, o professorzinho e o vendedor de bugigangas fizeram com Krista. E não pense que vocês vão se safar dessa como hoje.
O ódio nos olhos e no tom de voz não bate com a descrição que Kallinger fez de Henry Oak. O caminho até o antiquário de Cutler é feito com olhos nos retrovisores.
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Katherine Riley entra no antiquário sem desviar o olhar para nenhuma das peças expostas. Mira Cutler. Kroll, que acabara de relatar os acontecimentos daquela manhã, se afasta após o pedido delicado, mas firme, por uma conversa em particular. Sai para fumar em frente à loja enquanto observa o Lexus com motorista no qual chegou a senhorita Riley.
Sem falsos pretextos, apresenta de imediato o motivo da visita inesperada. Sabe que Cutler estaria negociando a aquisição da residência do Sr. Jebediah Stone. Ela representa um fundo de investimentos interessado na preservação e manutenção dos pertences de Stone. Infelizmente, o proprietário parece querer deixar um legado, e a aquisição da residência e seu conteúdo estaria vinculada a um critério subjetivo que Katherine não foi capaz de preencher. Por isso, se oferece para cobrir os custos necessários para que Cutler feche a negociação. O antiquário poderia ficar com um percentual desse montante.
Cutler ouve a proposta de intermediação e a rejeita. Nega estar negociando com Stone, que não passaria de mais um cliente. Insatisfeita com a resposta, mas sem insistir, Riley deixa a loja.
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Ao telefone, Kallinger concorda entre murmúrios com os US$ 25 mil que Cutler solicita. A proposta de Stone nunca ficou inteiramente clara, mas a quantia deve ser o bastante. Quando desliga, percebe que aquilo foi uma espécie de despedida. O professor não deseja mais tomar parte nos estranhos eventos em que estiveram metidos, pelo menos não diretamente. Algo para se preocupar em momento mais oportuno.
Naquela tarde, ele e Kroll juntam todo o tipo de informação possível a respeito de Henry Oak. Querem se manter dois passos à frente e, se possível, encontrar algo para dissuadir o detetive.
O trabalho é interrompido por uma mensagem enviada para Kroll através do blog que ele criou com o intuito de relatar os fatos envolvendo o traje negro.
- Os senhores esqueceram um traje de gala no clube. Foi difícil tirar as manchas, mas a lavanderia faz entregas 24h. Entre em contato.
Kroll responde pedindo o local e hora do encontro.
Cutler – Isso deve ter partido de um dos pervertidos que freqüentava aquele clube.
Kroll – Ou do tal Oak, querendo nos pressionar.
Cutler – Ou do russo aquele, Porykov.
Kroll – Porra, pode ter sido qualquer um.
Sem saber quem os observa, despedem-se. Kroll dirige-se ao funeral de Edward Fitzgerald. Cutler pretende fechar negócio com Jebediah Stone. Nenhum dos dois imagina o que os aguarda naquela noite.