Capítulo 17 – A Esmo

por Hentges em

Décimo-sétimo capítulo da crônica Os Espaços Vazios, publicada no blog The Truth's For Sale.

Quinta-feira, 04/02/2010

Cena 01 – Kroll sonha Tom

O ruído ao lado da cama desperta Kroll. É Tom. Deposita o telefone celular sobre uma mesa.

Kroll – Tom? O que você está fazendo aqui?
Tom – Me desculpe, Sr. Kroll. Mas eu tive que pegar o seu telefone. Eu precisava muito dele.
Kroll – Você está bem? Eu o procurei o dia todo.
Tom – Sim, está tudo bem. Mas eu tive que ir embora. Eu ouvi os cães se aproximando… Eu preciso que o senhor faça um favor para mim. Preciso que sonhe com o Sr. Cutler.
Kroll – Não estou entendendo o que você está dizendo, Tom. Estou sonhando?
Tom – Sim, isso é um sonho.

 O antiquário e seus objetos com cheiro de poeira. É a primeira coisa que Kroll relaciona a Cutler. Um odor que chega até ele conforme o quarto de hospital dá lugar ao espaço exíguo repleto de quinquilharias.

Tom – Aqui mesmo. Foi exatamente aqui. O senhor lembra quando eu vim aqui da primeira vez?
Kroll – Sim. Você apareceu com um molde da loja de máscaras.
Tom – Eu preciso muito dele agora. É muito importante.

Kroll lembra bem daquela tarde. Foi há cerca de dez dias. Toda a cena se passa novamente diante dos seus olhos, da entrega até o momento em que o objeto feito a partir das feições de Tailor foi desembalado.

O garoto se aproxima de Cutler e toma o molde de suas mãos. A cena segue tal qual Kroll lembrava, mas não há mais a peça de gesso. Mais tarde Cutler constataria o seu desaparecimento do antiquário.

Kroll – O que você vai fazer com isso?
Tom – Eu preciso ajudar o Sr. Claude. Ele se meteu em uma enrascada. Com isso eu posso atravessar os espinhos e ajudar ele.
Kroll – Eu também posso ajudar você.
Tom – Obrigado, Sr. Kroll. Mas é muito perigoso. Eu preciso ir.

Naquela manhã, ao despertar, Kroll encontra o telefone desaparecido sobre a mesa junto da cama.

Sexta-feira, 05/02/2010

Cena 02 – O Garoto Morto

Cutler chega logo cedo ao necrotério para onde foi levado o corpo do garoto encontrado no Parque Fairmount. Espera descartar a possibilidade de que seja Tom. E, se possível, descobrir alguma pista sobre quem são as crianças avistadas lá.

O responsável pelo local, Dr. Gregory, é especialmente solícito diante da iniciativa para auxiliar na identificação da criança. Após alertar Cutler sobre o estado do cadáver, vítima de uma matilha, ele levanta o pano. Não é Tom. Nenhuma criança com sua descrição deu entrada recentemente. Nem ninguém sequer parecido com o Sr. Claude.

Cena 03 – Alta

Com o pulso esquerdo já imobilizado, Kroll houve as recomendações médicas. Deve retornar em duas semanas para o início de sessões de fisioterapia. Do contrário, corre o risco de perder os movimentos da mão.

Marcus Knowles, que até então observava em silêncio o atendimento ao seu colega de quarto, resmunga em voz alta sobre Kroll ter falado toda a noite.

Knowles – Pergunta pra ele, doutor. Pergunta. Ele também foi atacado por crianças no parque. Igualzinho aconteceu comigo. Só que no bacana vocês vão acreditar… Estou dizendo, crianças com fome é o que tem lá. Eu até peguei a coleira de uma delas.

Exaltado, o paciente revela parte das suspeitas que dividiu com Kroll na noite anterior. O olhar de condescendência da enfermeira deixa claro, entretanto, que seu alerta não encontrará eco na equipe médica.

Já é meio-dia quando Kroll, em companhia de Cutler, recebe alta do Hospital Saint Joseph.

Cena 04 – Precauções

John Kroll atira-se sobre o primeiro sofá sem livros que encontra. Fica olhando para o teto. O ruído do garoto aprisionado no sótão, em sua luta contra as cordas, é substituído por gritos selvagens. As amarras da mordaça foram desfeitas. Sem ela, é possível constatar o que Cutler havia comentado: sumiram os traços bestiais. Não fosse o comportamento feroz, seria uma criança perfeitamente normal. Durante algum tempo, Kroll tenta comunicar-se. Uivos e ganidos como os de um animal pedindo socorro fazem com que ele reponha a mordaça.

Só então percebe os traços na poeira. Marcas que cercam o garoto. Não são passos, mas algo semelhante ao produzido pelo arrastar de pés. É impossível precisar sua origem. Terminam junto de um punhado de papel picado.

Cutler retorna trazendo consigo correntes e cadeados. Rivers o acompanha. O visitante considera impróprio o modo como é tratada a criança, mesmo diante de seu comportamento e do relato sobre os eventos no Parque Fairmount. A conversa se encaminha para a existência de um Doppelgänger e então chega até os Clay. Mais uma vez, as notícias falam.

Rivers recolhe as digitais do garoto e parte em seguida. Aprofundará a pesquisa sobre crianças desaparecidas que Kroll levou adiante sem sucesso.

Cena 05 – Visitas

Cutler – Que diabos você está querendo?
Oak – Pois não?
Cutler – Você anda circulando pela Universidade. Cercando meus amigos. Qual é o problema?
Oak – O tal Kallinger reclamou? Nenhum problema com ele, Sr. Cutler.
Cutler – Então sai do meu pé e dos meus amigos.
Oak – Eu não recebo ordens suas.
Cutler – Recebe da Corregedoria.
Oak – Me ameaçando no meu distrito? Esqueça.
Cutler – Se você não tem nada contra nós, suma.

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Cutler – Sou todo ouvidos.
Porykov – O alfaiate. Ele sumiu. Foi logo depois que você e seu amigo estiveram aqui.
Cutler – Coincidência.
Porykov – É mesmo?
Cutler – Eu estive naquele clube, mas não o encontrei. Nunca o vi.
Porykov – Muito bem. Então não preciso avisar-lhe para tomar cuidado. Nem preciso dizer que os clientes que Tailor satisfazia poderão ficar contrariados.
Cutler – A mim isso não diz nada.

Porykov cumprimenta Cutler. Antes das despedidas, o dono do Priceless tem algo a acrescentar.

Porykov – Se tiver problemas, fale comigo.

Cena 06 – Denúncia

- Eu tenho uma informação sobre o menino desaparecido, Thomas Clay.

De um telefone público não muito distante do prédio residencial até onde seguiram Thomas Clay é feita a ligação. Demora dez minutos até que uma viatura estacione. Dois oficiais sobem e retornam menos de trinta minutos depois.

Ao interfone, Cutler se identifica como detetive responsável pela investigação e sobe. Uma mulher o atende. Na sala, lançando um olhar curioso na direção da porta, está uma pré-adolescente.

Cutler – Boa tarde. Sou o detetive responsável pela investigação do desaparecimento de Thomas Clay. Meus colegas fizeram algumas perguntas, mas gostaria de alguns detalhes. É rápido e a senhora não vai se importar.

A postura autoritária e a fala rápida inibem Annette Skinner a ponto de ela sequer pedir uma identificação ao suposto detetive. A filha, Donna, admite que Thomas apareceu lá na tarde anterior, quando deveriam estar na escola, “mas não fizeram nada errado”. A garota está bastante assustada com o desaparecimento. Seu local favorito para encontros é um lago congelado no Parque Fairmount.

Mas Thomas Clay não está lá e nem nos arredores do bosque.

Cena 07 – O Molde

Depois de passar em casa, onde pega a peça que lhe foi dada pelo Sr. Claude, Kroll e Cutler rumam até o Por Trás da Máscara. É seu palpite derradeiro. O prédio, como da última vez em que estiveram aqui, em nada se assemelha com o ambiente que abrigava a loja há até poucos dias. A única novidade é uma placa de aluga-se. Kroll toma nota do número.

Entram pela abertura no tapume cobrindo uma das janelas. Vasculham com lanternas a escuridão até depararem-se com algo no gabinete que servia de estúdio ao Sr. Claude. Ali, sobre uma poltrona velha onde antes ficava a mesa de trabalho do artesão, está uma criança. Sobre a face imóvel, o molde partido ao meio e que na noite anterior foi objeto dos sonhos de Kroll. É Tom. Palavras ou sacudidelas não são o bastante para acordá-lo. Kroll experimenta a máscara que levou consigo. Sente-se nauseado e, por um instante, vislumbra a loja como a conheceu.

No Hospital Saint Joseph descobrem que o garoto está em coma.

Avisada em seguida, Rose Fairweather chega para acompanhar Cutler, que passará a noite à espera de notícias. Kroll vai para casa. Precisa descansar.

Vento frio sopra contra as janelas, como se o inverno buscasse brechas para entrar.