Capítulo 18 – Caminho de Migalhas
Sexta-feira, 05/02/2010
Cena 01 – Sala de Espera
Depois de despedir-se de Kroll e trocar algumas palavras com Rose Fairweather, só resta a Cutler esperar por notícias. Demora quase uma hora até que um médico informe da transferência de Tom para um quarto. Pretende mantê-lo sob observação após os resultados inconclusivos dos exames. Nada mais se pode fazer imediatamente. Cutler não deixa de perceber que Fairweather toma as rédeas da discussão, sutilmente fazendo valer sua condição de responsável legal pelo garoto.
Compreensível, a postura incomoda Cutler, pouco afeito a receber ordens. A agudeza do comentário é mais irritante aos ouvidos de Fairweather do que os sons dos aparelhos de monitoramento que embalam o sono sereno de Tom.
Cutler – Vou permanecer aqui esta noite. Pare ter certeza de que tudo ficará bem. É melhor que isso seja feito por alguém que não cochile…
A referência maldosa à forma como os problemas recentes tiveram início ofende Fairweather. A resposta é contida por gritos excruciantes vindos de um quarto próximo. Médicos, enfermeiras e alguns pacientes acumulam-se no corredor. Mesmo em uma ala junto da Emergência aquilo é incomum e assustador. Cutler ignora o fato até que entre os urros podem-se discernir palavras.
- Krooooooollllll…..É Krooooooollllll…
Cena 02 – O Menino Lobo
Kroll chega ao refúgio fominto e exausto. O braço sob o gesso incomoda e a mão parece um pouco inchada. Vai ter que descansar. Verifica o quarto onde o garoto foi colocado. Sob a mordaça, seus lábios parecem tentar articular algo. Mesmo temendo os gritos e uivos que podem atrair a vizinhança, remove a tira de couro. Ouve grunhidos e murmúrios. Se aquela criança falou um dia, esqueceu-se de como fazê-lo.
Dá de beber ao garoto. Afaga seus cabelos grossos e sujos. Enquanto espera pelo jantar encomendado busca aleatoriamente por um livro. Os olhos se deparam com O Livro da Selva, de Rudyard Kipling. A criança reage bem à leitura, mesmo nas partes inventadas por conta de trechos misteriosamente apagados. Na falta de um nome, recebe um apelido: Mogli. Ele parece reagir especialmente bem às descrições da selva indiana.
Após providenciar um colchão e dividir a refeição com Mogli, Kroll recebe uma ligação de Cutler. Encontram-se no Hospital Saint Joseph e lá ambos passam a noite.
Sábado, 06/02/2010
Cena 03 – Encruzilhada
Kroll caminha por uma trilha na mata. Sente o frio intenso provocado pela neve que empalidece a vegetação. Além dela, uma barreira de espinhos. Seu braço está forte como antes de ser atacado. Após avançar uma centena de passos se depara com a encruzilhada. Três percursos se colocam diante dele. O primeiro encaminha até a árvore frondosa do Parque Fairmount; o segundo leva à Por Trás da Máscara; o terceiro aponta o clube de Tailor, As Extremidades.
Tomando o caminho do meio, Kroll chega até a loja. O vento sopra neve para dentro do salão. Seu aspecto é aquele da primeira vez em que esteve ali. Mas existe algo de errado com as máscaras na parede. São rostos. Tem olhos arregalados e murmuram coisas incompreensíveis. Rostos de estranhos pendurados como troféus. E o de Tailor. E o seu próprio rosto.
Cena 04 – Uma Questão Complicada
Após deixarem o hospital, onde Tom ainda em coma permanece sob os cuidados de Rose Fairweather, Cutler e Kroll rumam até o refúgio. Antes que Rivers chegue para dividir as novidades, examinam os eventos recentes.
Cutler – O cara no hospital, o que morreu. Era o Knowles.
Kroll – Tem certeza?
Cutler – Confirmei com médicos e enfermeiras.
Kroll – Merda. Ela deve ter ouvido meu nome na manhã em que fui liberado.
Cutler – Agora não faz diferença.
Kroll – Acho que deveríamos falar com o tal Oak.
Cutler – A respeito de quê?
Kroll – Sei lá. Fazer ele chegar no Mogli de algum jeito.
Cutler – Mogli?
Kroll – É. Ele precisava de um nome.
Cutler – Enfim… E de que forma o Oak nos ajudaria? Eu dei uma prensa nele há pouco.
Kroll – Ele é detetive. Tem recursos. Quem sabe resolva o assunto.
Cutler – Pode ser, mas não acho que vá dividir informações. E pode acabar virando munição contra nós. Vamos esperar e ver o que o Rivers tem a dizer.
Rivers é a imagem da agitação. Somada ao seu aspecto físico frágil, lhe dá um ar juvenil e engraçado, ainda que de um modo meio patético.
Rivers – As digitais do garoto. Vocês não vão acreditar. Elas batem com as de um membro do Conselho Municipal da Filadélfia. O nome dele é Bill Green. Bendito Bush, que passou a exigir que esses dados fossem armazenados, mas não garantiu fundos para sua segurança. Bem, esse tal Green é de uma família de políticos. Gente que está nessa desde sempre. Hoje ele é responsável pela cadeira de Habitação. Moradores de rua, plano diretor, recuperação urbana, tudo isso aqui na cidade passa pela mesa dele. No mínimo curioso, considerando as histórias que vocês me contaram. Mas tem mais. Há uns vinte e cinco anos Green foi seqüestrado. O caso foi rumoroso. Crime, família de dinheiro, muita imprensa. Ele conseguiu escapar do cativeiro. Nunca encontraram os responsáveis. O interessante é que, se você somar vinte e cinco com a idade aparente do garoto que está preso, dá a idade de Bill Green hoje.
Cena 05 – Visitas Noturnas
Rivers – De acordo. Mas vocês me devem um favor. O caso do Tyrone ainda está aberto.
Cutler – OK. Mas essa merda está batendo à nossa porta. E a história do As Extremidades pode esperar uns dias. Eu quero voltar lá e entender tudo aquilo, mas não deu tempo.
Rivers – Só tem uma coisa que vocês não sabem. As coisas andam estranhas por lá. Parece que um traficante estuprou e matou uma viciada há duas noites. Essas coisas não costumam acontecer. Assusta a clientela e atrai a polícia.
Kroll – Acha que tem relação com o que acontecia lá? Ou com o que você viu?
Rivers – Não sei, mas por que não teria? Essas coisas sempre estão relacionadas de algum jeito. Foi por isso que filmei o Mogli.
Kroll – Ele ficou bem acuado com vocês. Achei que tinha feito algum progresso com ele.
Cutler – Pelo menos o isolamento acústico improvisado vai servir se ele voltar a uivar.
Deixam o carro e andam um quarteirão até a residência dos Clay. Esperam encontrar algo que a polícia tenha deixado passar. Algo que auxilie na busca por Thomas.
O clima rigoroso daquela noite afasta qualquer possibilidade de vizinhos em seu caminho.
A entrada se dá pela janela quebrada mencionada pelos jornais. Os cacos de vidro espalhados no pátio de fundos que leva à cozinha fazem crer que o arrombamento se deu de dentro para fora. Uma marca circular sobre a mesa indica onde ficava o objeto usado para partir a ampla vidraça.
Nos corredores e na sala Kroll observa algumas fotos. Uma delas é uma cópia daquela que Tom tinha nas mãos quando deixou o Por Trás da Máscara. Rivers menciona a ausência de fotos anteriores a ela.
Cutler encaminha-se diretamente até a porta coberta por papel de presente que Kroll descrevera quando esteve diante da casa, três dias antes. Pedaços coloridos ainda estão pendurados. Trata-se de um quarto onde todos os objetos são novos. Uma prancheta de desenho chama atenção. A primeira das folhas foi arrancada, mas a frase escrita nela marcou as seguintes e foi registrada algumas outras vezes em letras grossas e tremidas:
- Eles são meus!
No mesmo ambiente há um porta-retrato, a única das peças que não parece recém-adquirida, com uma foto de Thomas e Donna Skinner. Ao fundo, uma velha residência que parece um dos muitos sítios históricos do Parque Fairmount à espera de restauração. No verso da fotografia, uma nota:
- O nosso lugar especial. Beijos!
Kroll ainda vasculha o quarto do casal apunhalado, mas nada além de sangue há ali.
Cena 06 – O Tira Bom
Cutler – Senhora Skinner?
A.Skinner – É ela.
Cutler – Aqui é o detetive Ox. Falamos na tarde de ontem.
A.Skinner – Sim, é claro. Lembro do senhor.
Cutler – Eu poderia falar com Donna. É sobre Thomas.
A.Skinner – Encontraram o garoto?
Cutler – Ainda não. Estou trabalhando nisso. Poderia passar o telefone para sua filha?
A.Skinner – Ela está na casa de uma amiga. Com toda essa pressão, o desaparecimento do namorado… Achei que seria bom para ela.
Cutler – A senhora pode entrar em contato com ela? Preciso fazer algumas perguntas.
A.Skinner – Pois não.
Quando Cutler volta a ligar, Annette responde com a voz embargada.
A.Skinner – Elas não estão lá. Eu liguei para a amiga onde ela disse que ia e Donna não está lá!
Cutler encontra-se com Annette Skinner menos de uma hora depois. É solícito e firme, o bastante para iludi-la quando questiona a respeito do distintivo que ele não possui. Sai do apartamento com algumas fotos de Donna e Thomas, mas nenhuma informação adicional sobre a localização da velha casa da foto.
Precisarão retornar ao Parque Fairmount.