Charlie Sauniere
Era uma vez um garotinho feliz que tinha um super-pai, todos brinquedos que quisesse e um cão. Morava num apartamento confortável e tinha seu próprio quarto.
Ele passava as tardes brincando no playground com seus amigos e a noite, quando seu pai chegava, eles jogavam video-game, e este era um dos programas preferidos do garotinho.
Pela manhã os dois tomavam café da manhã juntos, então a empregada o levava para a escola e seu pai ia trabalhar. Aos sábados eles acordavam cedo para fazer cooper e brincar com o cachorro.
Seu nome era Pierre, e Pierre gostava também de seu nome.
Seu pai era um homem alto, forte, com os cabelos pretos e lisos; era segurança e por isso estava sempre bem vestido. Pierre sempre comparava os traços parecidos com os do pai, principalmente quando este dormia. E como eram parecidos. O mesmo cabelo, as mãos, as sombrancelhas e o mesmo olhar.
Sua mãe falecera quando tinha três anos e foi difícil superar isso. Mas a mudança de cidade fez as más lembranças ficarem para trás.
Ou pelo menos foi o que EU pensei nos últimos sete anos.
Era noite do final de outono de 1998. Duas vezes por semana eu praticava cooper num grande parque que ficava proximo ao trabalho, não era assim um "Central Park" mas seguia o mesmo estilo. Naquela noite cheguei mais tarde porque fui buscar umas fotos minhas e de Pierre, e tinha me demorado um tempinho a mais na corrida… Já era tarde da noite, e enquanto corria pela parte arborizada do parque, percebi que alguns galhos caiam mais a frente e busquei, na copa das árvores, o que provocara as quedas. Não vi nada, mas passei a sentir que estavam me observando. Continuei o meu percurso até passar pelas árvores centenárias, mas este foi só o meu primeiro erro daquela noite.
Naquele ponto percebi que uma série de pequenos animais se encaminhavam numa mesma direção, eram gatos, cães, ratos, pombos e até mesmo uma coruja voou sobre mim rumo ao destino dos outros animais. Fiquei curioso com o comportamento daqueles especimes e passei a segui-los. Percebi que rumavam para uma boca de esgoto e parei ali perto para observar; até que ouvi uma voz vinda dali, então me aproximei da saída e ouvi alguém susurando palavras ininteligíveis, mas estava escuro e as palavras ecoavam distantes, foi quando num impeto eu resolvi gritar:
- TEM ALGUÉM AÍ?
Amaro Del Puerto tem sobrevivido nos esgostos de Paris nos últimos meses, numa tentiva desesperada de manter sua sanidade ele vem usando seus dons para convocar animais que satisfaçam sua fome. O Esgoto é um lugar ideal pra quem foge da luz diurna e se não se importa em ficar submerso em meio aos degetos, você tem uma boa proteção… Certa noite, no final de outono de 98, Amaro estava em seu refúgiu e foi tomado pela besta. A fome descontrolada fez com que invocasse mais animais que o necessário, ele agia friamente como um predador selvagem, ele já estava se controlando quando sentiu o cheiro de um humano… os animais que chegavam contaram que um homem estava lá fora, observando a entrada dos bichos.
Percebendo a presença de um mortal próximo a seu refúgio Amaro planejou uma refeição melhor para esta noite, e como foi agradavel ouvir a voz humana gritar em seu refúgio:
Tem alguem ai?
Antes mesmo que pudesse pensar em nada, o vampiro partiu pra cima do rapaz que estava numa das saídas de seu refúgio…
Eu estava observando o interior da boca de esgoto quando abruptamente um homem forte pulou em cima de mim, me derrubou e antes que eu pudesse reagir ele ergueu minha cabeça de forma a exibir meu pescoço, e ali mesmo, num canto escondido do parque, ele me mordeu. Instantes depois eu sentia uma sensação e alivio e quem sabe até um certo prazer… mas essa sensação foi passando e minha vida se esvaía, meus pensamentos iam da minha infância ao meu filho e mesmo lutando com todas as forças para sobreviver, não resisti…
Amaro sucumbiu a besta e esta só se satisfez com a morte do rapaz. Então o vampiro voltou a si e se deu conta do que acabara de fazer, sua tentativa de se afastar dos mortais acabara provocando a ira da besta interior e seu remorso só fez aumentar ao ver as fotos de Charlie com seu filho caídas ao chão; foi então que resolveu dar ao rapaz uma chance, ele rasgou o pulso com uma mordida e despejou seu sangue nos lábios de Charlie, em seguida a dor e angústia da transformação tomaram conta do rapaz, e quando tudo estava acabado um novo vampiro estava diante de Amaro, e os dois lutaram. Charlie se revoltou com sua nova condição, e assim que recuperou suas forças atacou o membro que o transformou.
Meu último suspiro não foi o fim. Eu estava morto quando senti o calor da vida tocar meus lábios, a bebida rubra reanimou meu corpo e eu tomei o quanto pude, antes que fosse interrompido pelo monstro que me trouxe de volta. Num primeiro instante um breve sentimento de gratidão surgiu em meu coração morto…
- O que você fez???
- Te dei uma segunda chance…
- Porque eu???
- Se eu não tivesse te transformado em vampiro você estaria morto agora.
“transformado em vampiro” A frase ecoou na minha mente e a cena dos animais, o ataque, a mordida, o sangue e a fome. Uma fome pertubardora, que desconhecia até hoje esmagava minhas entranhas.
Assim que compreendi no que me transformara, eu ataquei aquele que me criou.
O soco era inesperado e acertou em cheio, mas a visão seguinte não foi animadora; das suas unhas começaram a crescer garras e no momento seguinte ele me atacou.
- Eu tinha uma vida feliz sabia?? – vociferei enquanto desferia outro soco em direção a cara do canalha..
Senti que meu corpo resistia bem àquelas garras afiadas, mas ele estava em vantagem, e instantes depois eu estava ferido demais para pensar em qualquer outra coisa que não fosse fugir. Sai daquele ninho de ratos sujo, ferido, ensangüentado e fedendo.
Corri pro estacionamento, onde meu carro guardava a roupa do serviço e poderia sair dali sem atrair atenção. Desnorteado e perturbado dirigi rumo a minha casa, até que vi um corpo acidentado no meio da estrada. Ver aquela mulher estirada ao chão, ensanguentada atiçou a fome que dominava minhas entranhas, e foi então que me pus a pensar..
”Que faço eu da vida agora??? Que tipo de monstro eu me tornei?? O que minha presença representa pro meu… filho??”
E foi pensando em meu filho que parei o carro.
“Eu não posso voltar pra casa… o que será de Pierre???” Peguei uma foto sua no porta-luvas… e enquanto olhava sua imagem e lembrava de tudo o que passamos, uma gota de sangue verteu de meus olhos, vindo lembrar que até meu choro é monstruoso…
Uma tristeza profunda tomou conta de mim, e quis afogar minhas mágoas, assim como fizera no advento da morte de minha esposa. Me dirigi então ao pior e mais sujo bar da cidade, onde poucos se importariam com miunha atual condição, e pedi uma bebida forte; mas qual não foi meu desgosto quando virei o copo e meu estomago repudiou ferozmente a bebida. Uma forte ânsia de vômito me fez correr ao banheiro, onde despejei a bebida que virara de um só gole. E foi ali, diante da privada de um bar imundo, que percebi que a minha vida se acabara…