Segundo Tomo - Auschwitz

por Alanuska em

Segunda parte de uma história pensada, a princípio, como testemundo de um personagem acometido por estranhos sonhos... A princípio, percepções do Interno sobre o ambiente em que fora trancafiado.

- Ela era linda, não era Ed?

- Sim, Marion, ela era linda.

- Não me conformo. Não entendo como isso foi possível. Porque, Ed? Porque?

- Por nós, Marion. Nós criamos isso. Nós fizemos as coisas chegarem a esta situação. Nós!

- O próprio sangue, o próprio sangue! Deus, como isso aconteceu?

- Deus não existe, Marion. Não neste mundo. Só o que há é a morte, a degeneração e as sombras que nos espreitam – vai à janela e fecha as persianas com desconfiança. Sombras são só o que há.

 

X

 

Centralia, Pensilvânia, 21 de abril de 1981.

 

     Fico feliz que tenha recebido a última carta sem contratempos. Desculpe ter sido tão direto ao contar minha história, confesso que seu interesse deixou-me entusiasmado. Espero não ter causado constrangimentos ou inconveniências, mas por sua resposta creio que não. Agradeço pelas informações e pela preocupação, ambas me são muito caras.

     Agora, aonde eu havia parado? Ah sim, minha chegada a Auschwitz... Não quero parecer exagerado, ou demasiado dramático, mas afirmo com total convicção que poucos conseguiriam manterem-se sãos diante das imensas paredes de pedra negra que estavam ali, à minha frente. Nem mesmo tu, meu fiel amigo, nem mesmo tua confiança quase inabalável teriam suportado a visão opressora daquelas muralhas tão carregadas de sombras e dor.

     Assim que as vi, imaginei se não teria sido o próprio demônio quem as esculpira. Eram imensas e escuras, havia arame farpado entrelaçado em seu topo e pequenas torres onde guardas-enfermeiros ficavam de vigília. Como uma perfeita prisão. O interior conseguia ser tão ou mais deprimente. Não havia vida nas árvores circundantes, espécie de guias para a entrada. As janelas, várias delas, estavam fechadas com placas de ferro que abriam-se somente quando os médicos tivessem vontade.


     Era dentro, porém, que se entendia o porquê de “Auschwitz”. Tente imaginar, meu amigo, inúmeros e longos corredores sucessivos, onde pequenas e grogues lâmpadas faziam tosca iluminação. Tente imaginar centenas de celas cuja única identificação sobre os homens e mulheres que ali estavam eram números. 001, 002, 003, 004, 005... Imagine os gritos, os sussurros, os gemidos histéricos e desesperados que saíam a todo instante dali.

     Eu não podia conceber ficar trancado num lugar como aquele. Gritei também. Tentei lutar veementemente contra os enfermeiros que me empurravam para dentro, enquanto ao longe uma risada de escárnio chegava até nós. Pude ver de relance os olhos sedentos que surgiam por entre os espaços mínimos das grades em cada uma das portas, espiando, assistindo a tragédia do novo “vizinho”. Não senti raiva deles, porém... Senti pena. Pena, e uma súbita constatação de que, em pouco tempo, eu me tornaria como eles: um corpo débil e sussurrante, desconfiado, espreitando a desgraça de mais um interno...