True Fae português - Khthon, a Moura Encantada

por rafahygino em

Primeiro fruto da discussão sobre o Mundo das Trevas na Idade Média, um artigo para servir de inspiração para sua mesa de Changeling. Na ausência de detalhes e pelo caráter divergente das lendas, aqui apresento um ensaio um tanto borgeano sobre essa lenda lusitana. Espero que sirva como primeiro passo para a adaptação de outros antagonistas muito interessantes (como o Mairu, o Berrão e a Coca) para um Changeling Medieval em terras do Além-Mar.

Detalhe da Moura Encantada numa Iluminura Medieval que narra a Reconquista.

 

Na aurora dos tempos os povos antigos da Penínsual Ibérica prestavam um estranho Culto que hoje permanece relegado às margens do esquecimento. Quando os gregos lá estiveram pela primeira vez, chamaram o lugar de Ophiussa (derivado de ὄφις, o grego para ophis), que significa Terra das Serpentes.

No século IV,o poeta romano Rufus Avienus Festus escreveu que os povos do Ocidente Extremo, Oestrimni, viveram no lugar por um longo tempo e que haviam fugido de sua terra natal depois de uma invasão de serpentes. Curioso notar que existe uma referência a esse episódio na mitologia egípcia, onde as “serpentes de Carnac” teriam emigrado para o Ocidente Extremo. Essa população também pode ser ligada ao antigo relato grego referente aos Saephe ou Ophis, o “povo serpente”, e até mesmo aos Dragani “povo dragão”.

O que poucos acadêmicos sabem, é que a região que possui vestígios de adoradores de serpentes, a Serpe Real, desde a pré-História, ainda tem suas lendas envolvendo os ofídios.

Na Idade Média, época da Reconquista, surgiram rumores de que uma jovem moura, de cabelos dourados como ouro ou negros como a noite,  foi deixada para trás para guardar um tesouro, mas acabou se apaixonando por um cavaleiro cristão, terminou executada por confiar-lhe o lugar em que havia escondido o ouro. Depois disso teria se tornado um fantasma, sempre lamentando a inocência perdida. Contudo, apesar da aparência “perigosamente sedutora”, na verdade seria mais um dos "seres obrigados por oculta força sobrenatural a viverem em certo estado de sítio como que entorpecidos ou adormecidos, enquanto determinada circunstância lhes não quebrar o encanto". [1]

Uma versão muito comum da lenda, se refere à Moura Fiandeira que carrega pedras na cabeça, no pescoço um fio e na cintura uma “Roca de Fiar”, com que construía os Castros, Dolmens e Megalitos, encontrados na região desde a Idade do Ferro. [2]

Em algumas lendas, a Moura Encantada é uma metamorfa que toma a forma de uma serpente. Na verdade, podem assumir diversas formas num grande número de lendas, e versões, como resultado de séculos de tradição oral. Mas sempre surgem como guardiãs dos locais de passagem para o interior da terra, os "locais-limite", onde se acreditava que o sobrenatural podia manifestar-se. Aparecem junto de nascentes, fontes, pontes, rios, poços, cavernas, antigas construções, velhos castelos ou tesouros escondidos.

Nesse sentido, ainda permanece ligada ao relato dos gregos, que tomavam essas serpentes como Chthonic (do grego χθόνιοςchthonios, "em, sob, ou debaixo da", derivado de χθώνchthōn "terra" [3]; pertencente à Terra; terroso; subterrâneo) designa, ou pertence aos deuses ou espíritos do Submundo. O grego khthon é uma das muitas palavras para “terra”; normalmente usado para se referir ao interior do solo, mais do que à superfície onde vivemos (Gaia ou Gea) ou à terra como território (como khora (χώρα) faz). Evoca ao mesmo tempo a fertilidade e a sepultura.

Uma lenda diz que no solstício de Verão, uma dama-serpente, uma deusa chthonica, revela tesouros escondidos para as pessoas que caminham pelas florestas. Festividades relacionadas com esta deusa ocorrem durante o solstício. No resto do ano, ela se transforma em uma cobra e vive sob as pedras, e os pastores lhe oferecem um pouco do leite de seus rebanhos como oferenda.


Fotografia retirada por um turista inglês que participou do festival em 1942.

Fotografia retirada por um turista inglês que participou do

Festival do Solstício na Cidade do Porto em 1942.

 

Muitas vezes, quando o Cristianismo triunfava sobre uma região em que o Culto à Serpente estava arraigado, erigia crucifixos em uma pedra, onde esculpiam uma serpente (dois símbolos da deusa, a terra e a cobra).

Crucifixo da Alta Idade Média em Gondomil.

 

Curioso notar, que o símbolo da serpente foi adotado pelo Imperador de Portugal na época das Grandes Navegações. Rumores também falam de um culto que veio com a Corte do Rei para o Rio de Janeiro e ainda reside lá, onde a Serpente dos Bragança é um símbolo muito visto nos monumentos da cidade.

 

No Mundo das Trevas, essa entidade já foi responsável pela abdução de incontáveis pessoas desde um tempo imemorial. Quase sempre homens ambiciosos e temerários. A inevitabilidade de seus feitiços e a extensão de seu poder, levou alguns Trocados a tornarem-se leais ao que acreditam ser a vontade da Deusa Serpente, algumas vezes esses lealistas são chamados de Ophis ou  Draganos , pois vêem a si mesmos como herdeiros do antigo culto.  

 

Os Trocados que conseguem fugir do emaranhado reino da Serpente fiandeira retornam como escamosos Venombite Beasts ou orgulhosos Draconics Fairests. Depois de escapar de Arcádia, tem a não menos árdua tarefa de tentar se livrar dos Ophis.