Sombras da Noite - Início da Diversão
Era uma noite monótona e David Winters estava entediado, sem saco para as conversas fiadas de seus irmãos do Sabá e sem paciência para lidar com o rebanho. Precisava se alimentar. A Besta dentro dele logo seria exaltada se ele não a sobrepujasse com o doce líquido carmesin.
Ele aperta o volante de couro se seu Mustang e o guiava à esmo, dobrando em ruas aleatórias, seguindo passos inconscientes, deixando a noite leva-lo para sua refeição. Um shopping, pensou ele quando avistou o prédio comercial onde vários mortais passeavam durante a noite. A chuva começava a cair, fina e leve enquanto o Mustang preto adentrava o estacionamento, abrigando-se da chuva e indo de encontro com sua presa ainda desconhecida. Seu coração já batia um pouco mais forte ao pensar nas surpresas que o aguardavam esta noite. "Será que encontrarei algum marginal tentando roubar o shopping?", pensou ele. Criminosos eram seu prato favorito, ainda mais quando servidos com requintes de tortura como acompanhamento. A dor imposta como castigo, uma forma de retribuição aos atos antagônicos, e já banais da sociedade, lhe garantiam uma grande satisfação, sendo geralmente sua sobremesa.
Quanto mais a tempo demorava a alimentar-se, mais a Besta Interior gargalhava planejando as atrocidades justificadas pela Obsessiva consciência de David como atos justos, contrapesos à balança da justiça há muito já desequilibrada pela corrupção moderna. O estacionamento estava vazio. Um palco bem montado para sua atuação gastronômica e atrocidades afins. Ainda sentado dentro do carro, pensando e esperando, planejando o improviso, aguardando sua presa aparecer, o nervosismo estava começando a dar sinais. "E se não aparecer ninguém?" pensou. Ser tomado pelo frenesi dentro do estacionamento não seria uma boa idéia, mas mesmo assim, tinha decidido apostar em sua intuição, que aparecera repentinamente após seu abraço, anos atrás.
As sombras dançavam dentro do clássico carro de David, uma dança invisível a possíveis e eventuais observadores externos, pois os negros vidros do carro não permitiriam que nenhum mortal visse o que acontece ali. O poder sombrio começava a tomar forma, uma forma que ele não gostava, era ela, a vadia bastarda que lhe concedera o abraço. Ele tentava à custos conter as sombras de tomarem a forma de sua geitora. A força mental para conter seu inconsciente de agredi-lo moralmente mostrando a face de sua odiada progenitora profana manifestada nas massas oriundas do abismo lhe fazia esgotar ainda mais o autocontrole que lhe restava.
A porta que dava passagem para o estacionamento foi aberta. Algo dentro de David pareceu contorcer-se com a expectativa quando uma família, pai, mãe e duas meninas gêmeas de não mais que sete anos saíram pela porta, todos felizes e sorrindo, satisfeitos com as compras. "Droga!" não podia ataca-los. Não desgraçaria uma família harmoniosa apenas por estar no topo da cadeia alimentar. Os resquícios de humanidade eram as únicas coisas nele que ainda o faziam se orgulhar por diferencia-lo da piranha imunda que o amaldiçoou com a própria vitae. A raiva que tinha por ela se misturava com gratidão por ter aberto os olhos dele para a imortalidade e lhe dado meios de potencializar suas capacidades, amaldiçoando-o. Porém, ele já era um desgraçado quando ela o encontrou. Ele não poderia desgraçar uma família, por mais tentador que pudesse parecer neste momento. A família logo entrou em seu carro e saiu, enquanto David esperava impacientemente pela próxima pessoa que atravessasse àquela porta.
Mais uma vez a porta se abriu e seu coração novamente deu um salto ao olhar para a porta. Uma jovem mulher de não mais de vinte e poucos anos adentrava o estacionamento com seus cabelos castanhos e bem cuidados, ela andava passo-a-passo, sozinha em direção a um new beetle vermelho estacionado não muito longe do negro Mustang. À primeira vista, uma charmosa burguesinha de vida fácil, consumista, hedonista, esbanjando fragilidade. Não necessáriamente o tipo predileto de David, mas serviria para alimenta-lo por hora. "Não vou mata-la..." pensou.
Era hora de controlar-se, não podia fazer besteira. De impulso, ele abriu a porta do carro e saiu. Imediatamente as sombras voltaram a seus devidos lugares, estáticas. Seu subconsciente parecia ter entendido a necessidade de controle. Ele se sentou no capô do Mustand, tirando um cigarro da carteira e acendendo-o. Era proibído fumar no estacionamento do shopping e ele sabia disso, porém, quem seria o segurança com colhão suficiente para impedi-lo de fumar alí?
Ela parecia ter percebido a presença sinistra do homem de coturno e calças de couro, parecendo que saiu de um dos filmes do Corvo. Victoria não gostou nada quando o "punk" acendeu um cigarro e com os cabelos negros sobre a face ficou encarando-a enquanto fumava. Com o controle preciso sobre as sombras e um pouco de concentração, David as fez se massificarem e prenderem a trava da porta do carro vermelho. Impedindo-a de entrar.
Victoria não gostou nada quando, apressada, forçou a maçaneta de seu carro para abrir e a viu imperrada. "droga!" exclamou ela baixinho.
Com um sorriso entre os finos lábios e o cigarro entre os dedos, ele disse a si mesmo "É hora de diversão".